Das minhas lembranças de infância, uma das mais gostosas que me chegam à mente em alguns momentos é das vezes em que passava férias na casa da minha avó materna, onde escrita, leitura e gastronomia tinham uma relação muito harmoniosa. Dona Clélia costumava fazer seu saboroso pão caseiro para comermos no lanche da tarde e quando eu e meus primos voltávamos da rua, famintos, depois das brincadeiras e pedaladas em nossas bicicletas, sentíamos aquele cheiro delicioso vindo da cozinha, que parecia nos puxar pelo nariz, como naqueles desenhos animados em que os personagens saem flutuando, inebriados pelo aroma vindo do forno. De tanto gostarmos de comer o famoso “pão da vó Clélia”, meu pai acabou aprendendo a receita e posteriormente me ensinando a fazê-la também: Farinha de trigo, óleo, ovos, açúcar, sal, água morna e fermento biológico. O resultado é simplesmente um sucesso e desde então, tenho feito aqui em casa, sempre que possível.
Você deve estar se perguntando, o porquê de estar lendo sobre pão em um blog de escrita. Simples! Porque eu acredito que fazer pão e escrever um livro tem muito mais em comum do que se imagina. A começar pela organização que ambos exigem antes de iniciar a produção. Para que eu não me perca na receita, é importante que eu faça o famoso “mise and place”, separando antecipadamente os ingredientes e posicioná-los à minha frente. Com isso, à medida que eu sigo cada passo indicado na receita, já estou com cada parte desse processo à mão. Da mesma forma, quando vamos escrever nossos capítulos, se fizermos o nosso “mise and place” da escrita, se visualizarmos qual será o conteúdo dele e em qual parte dessa escrita ele entrará, é bem provável que a escrita também correrá com mais tranquilidade.
Até mesmo em alguns dos ingredientes que entram na receita do pão e suas ações, vejo também semelhanças com todo o processo de escrita. Assim como meu pão precisa da farinha de trigo para ter densidade, mas não posso exagerar em sua quantidade, minha escrita também precisa ter uma dosagem equilibrada, para que todo conhecimento ali passado possa ser digerido pelo leitor.
Já o fermento biológico entra justamente para suavizar toda essa densidade, facilitar a digestão da massa e o que mais me chama a atenção nisso é justamente o fato dele ser vivo. Sim, quando colocamos mais vida, mais de nós mesmos em nossa em nossa escrita, tudo fica mais fácil de digerir.
Para impulsionar a ação desse tipo de fermento, é necessário calor e aí está mais um ponto de semelhança com a escrita. Afinal, quem não gosta de ler aquele livro que aquece o coração? Quem não gosta daquela leitura que nos faz sentir que quem está ali escrevendo aquelas linhas também tem uma vida e transmite empatia em suas palavras? E é por isso que se usa água morna – e não fervente – porque esse calor tem a intenção de apenas aquecer e não de queimar.
O açúcar tem como função, não apenas adoçar a massa, mas também deixá-la ainda mais macia. E volta a importância da dosagem, pois amamos o que é doce e macio, mas quem aguentaria um capítulo com altas taxas de glicose ou tão macio que fica sem consistência? É por essa e outras razões que uma pitada de sal vem balancear sabor e maciez.
À medida que todos os ingredientes foram misturados, as mãos do autor precisam estar constantemente sovando esse texto, trabalhando, mexendo, se esforçando para reposicionar os ingredientes, para que tudo pareça uma massa só, homogênea, em que cada um dos elementos está cumprindo sua função, não se sobressai por si só, mas dá sua contribuição para o sabor e maciez nessa receita.
Após todo esse esforço e tempo sovando essa obra, é preciso parar de mexer, colocá-la em descanso, em um período de espera para que a massa cresça e se acomode dentro da forma, para que as palavras façam se acomodem, que façam sentido uma ao lado da outra em uma leitura final.
Por fim, com as máquinas já pré-aquecidas, é hora de levar essa massa ao forno e seguir acompanhando seu crescimento, tomada de forma e cor. O cheiro de livro novo saindo da gráfica e o de pão quentinho saindo do forno são perfumes que agradam a qualquer um que tenha boa leitura e bom paladar, de forma que ambos se tornam irresistíveis e só nos resta sentarmos e saborearmos esta leitura.
E então, aceita o convite? Aqui no blog convido para a leitura, porque para comer o pão da vó Clélia, só me fazendo uma visita!
João Neto – Consultor de Escrita
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10 Comments
Nossa, fantástico esse paralelo entre pães e palavras.
Que texto gostoso de ler!!! Que analogia perfeita vc fez! Uma coisa posso dizer: esta leitura foi tão boa quanto o pão da dona Clélia, que eu tive o prazer de saborear! Parabéns!!!
Que analogia fantástica! Me deu vontade de comer um pão caseiro e ler um livro..
Parabéns João Neto.
Sensacional!
Esse texto tem aquele gostinho de nostalgia! Maravilhoso para ler e reler!
Preciso de consultor literário
Já tenho um livro lançado
Estou escrevendo outro
Não conheci o pão da vó Célia, mas o Pão do João já!!!! KKKKKKKKKKKK Eram sempre obrigatórios para reuniões hein, João??? Adorei o texto. Escrever é assim mesmo, existe dedicação, organização e planejamento!!! Arrasou, como sempre.
Que delica de texto! Parabens!
Oi filho, senti cada um desses cheiros, sabores, temperaturas e vive todos os compassos de espera e expectativas para, enfim, saborear o delicioso pão e a deliciosa escrita! YHummmm!
Muito inspiradora a comparação de fazer pão com escrever. Parabéns