Sim. Mas antes de tudo, precisamos definir bem do que se trata o tão falado e famoso bloqueio criativo. Bloqueio criativo é uma coisa, mas, muitas vezes, no contexto brasileiro é confundido com recusa de escrever, inibição da escrita, preguiça de escrever e a falta de disciplina.

No Brasil nós temos poucos casos de bloqueio criativo propriamente dito, porque para ter o bloqueio subentende-se que a pessoa já escrevia antes, tinha o hábito, tinha disciplina, já produzia cotidianamente o material e conteúdo, e de repente ao sentar-se para escrever, ao abrir o notebook ou o bloco de anotações, não sai nada, isso realmente é um bloqueio. Porém… a pessoa nem busca sentar-se para escrever, ou separa um momento da semana para isso, e já sai divulgando para todo mundo que está com bloqueio, é pura fantasia.

Não possuir o hábito ou a disciplina para escrever não é tão estranho na nossa cultura, a maior parte dos escritores que chegam até mim padecem dessa dificuldade, porque a nossa escrita não foi trabalhada durante o nosso processo educacional para criar, para refletir nosso pensamento ou a nossa vivência. Nós aprendemos a escrever para sermos validados por uma nota, sermos aprovados ou não. Então esse tipo de motivação para escrita gera enquadramento e tensão para o nosso processo criativo, a criação é “estrangulada”.

Para criar, dar forma ao pensamento, subjetivar as ideias e vivências, é preciso uma mente frouxa, libertária e tranquila para a criação ter espaço para nascer. E como “não podemos pensar”, não nos foi permitido expressar nossa opinião por meio da nossa escrita cotidiana durante todo período escolar, de faculdade e mestrado, ficamos sem saber como utilizar o nosso potencial de escrita de forma prazerosa, por isso a nossa recusa em escrever. Nossa mente, nosso padrão de pensamento, associa-se a escrita com o momento de julgamento ou validação, o que deixa o ato desagradável, ela se torna tensa e esgotada desde o início.

Precisamos mover nossa mente para uma possibilidade de escrita prazerosa, onde não se baseia em um método único. Cada pessoa se descobre de um jeito peculiar para escrever. Por isso em primeiro lugar sempre desconfio das técnicas que vêm com proposta lineares e enquadradas, que nos traçam caminhos únicos. Aceitar e acolher a falta de habilidade no nosso processo educacional em relação à escrita, enquanto brasileiros, já é um passo. Aceitar que não chegaremos lá facilmente já é o primeiro passo para montar uma estratégia de aproximação do momento de escrita.

Por isso, sempre dou a dica de não usar o seu ambiente de trabalho para escrever um livro, o ambiente de trabalho remete à obrigação, e para tirar esse ranço de obrigatoriedade com a escrita, sugiro que prepare um ambiente, nem que seja embaixo de uma escada ou de uma árvore, mas prepare um ambiente que seja de outro jeito, um espaço que lhe atraia, com elementos ou símbolos que lhe convidem a estar lá, porque de uma forma mais leve conseguiremos chegar para este momento com mais fluidez.

Na Europa e Estados Unidos essa prática vem mais naturalmente, pois existe uma educação voltada para a escrita artística e criativa, aqui não, portanto não venha com a estratégia caduca de dizer que a culpa é da inspiração que não chegou, não vamos fazer nascer como um passe de mágica nosso potencial de escrita.

Bloqueio criativo é o resultado de cansaço ou esgotamento de um escritor que faz isso cotidianamente. É um estanque na carreira de um escritor de muitos livros. Portanto não chamemos nossa falta de coragem, disciplina ou vontade de Bloqueio Criativo, porque mesmo sendo mais elegante o conceito, não condiz com a verdade e impede que despertemos o escritor que em nós dorme.