O feixe de luz do sol passa pela fresta da cortina do quarto, balançando com a brisa que vem espontaneamente e abundantemente do lado de fora, e eu desperto já sentindo o cheiro da maresia e ouvindo o burburinho do mar, que me chama para dar bom dia para a imensidão de possibilidades do novo dia que surge.

Eu me levanto, tomo um banho e já coloco aquela velha roupa confortável que uso quase como uniforme – minha roupa da sorte – e vou direto para a cozinha, onde uma bela mesa de café da manhã me espera com um vaso com flores recém-colhidas enfeitando o cenário e a vida.

A xícara do chá de frutas vermelhas mal acabou e eu já ouço no fundo a voz da inspiração me chamar, como uma musa que pede socorro ao seu grande salvador… Vou até seu encontro e, ao chegar na beira da escrivaninha em frente à janela, sinto-me completamente entusiasmada para escrever um novo capítulo… no meu livro e na minha vida!

O mar me encara, no balançar constante, as ondas acompanhando o ritmo frenético com que teclo no computador as palavras – que vem até mim como numa enchente mágica, que vai preenchendo o papel e transformando-se no meu próximo sucesso – e só para quando o livro estiver pronto, no final do dia.

Ou, pelo menos, era assim que eu achei que seria a vida, quando idealizei a carreira de escritora pela primeira vez… Mas a realidade não poderia ser mais diferente do que tudo isso! A realidade é, de fato, muito mais trabalhosa, rotineira e tão comum e ordinária quanto qualquer outra!!!

Os filmes, a mídia e as fotos glamourosas de autores best-sellers que via nas revistas me fizeram criar uma fantasia sobre todo o processo de escrita das fantasias que lia! Quando nova, eu olhava para aqueles livros que lia tão maravilhada e me perguntava, instigada de curiosidade: “como esse autor fez algo assim?”.

O que ninguém parecia lembrar de comentar comigo – que já desejava há muito a vida e carreira de escritora – sobre tudo isso é que, por trás de todo livro publicado, existe um longo, trabalhoso, complexo e detalhado processo.

Livro deve ser pensado, planejado, programado… Deve ter rotina, horário, exercício, escrita e reescrita. O livro não surge como num passe de mágica, não aparece todo pronto na sua cabeça da noite para o dia em um sonho, nem existe nenhum pó de pirlim-pim-pim que te faça ter uma inspiração magnifica para escrever um livro inteiro de uma sentada só, em um dia – a tal da inspiração, aliás, não é como um unicórnio mágico… ela é muito mais comum do que se imagina, e gosta de quem vai atrás, quem procura, chama, quem cria maneiras de acha-la mesmo no dia mais estressante. Quem é resiliente e não desiste dela. E, até mesmo, quem é independente o suficiente para escrever sem a presença dela…

Também esqueceram de falar sobre todos os diversos profissionais que se envolvem no processo! Não falaram sobre os consultores de escrita, os revisores da língua, os editores, os designers, diagramadores, a equipe de marketing e venda, a assessoria de impressa, a equipe da produção, os ilustradores e tudo o mais.

Hoje, quando acordei, fui escrever mais um capítulo na escrivaninha do meu escritório, olhando para post-its, mapas mentais e planilhas – não tinha nada de brisa ou mar… E no lugar do belo café da manhã com flores e cheiro de maresia, eu estava em casa, ouvindo o barulho do trânsito lá fora e tomando um café preto forte, para tirar o sono que ficou quando o despertador me acordou bruscamente.

Mas, hoje, enquanto sigo a carreira de escritora que tanto desejei, já sei que livro é muito mais do que um objeto que carrega palavras. Livro é história, é aprendizado, é a soma das experiências do autor, é processual, é o produto de um projeto, é um trabalho em equipe – livro é mágico sim, mas não pela sinopse em si, ou pela carreira glamourosa do autor – mas sim por todo o processo e todas as pessoas que o tornaram possível.

Gabriella Maciel – Consultora de Escrita

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